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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

GUERRA À VISTA

Guerra à vista

22/09 - 15:49 - Régis Bonvicino, especial para o Último Segundo


Manuel Zelaya infringiu o artigo 239 da Constituição hondurenha, ao propor um plebiscito que a alteraria, para que fosse possível a reeleição de um Presidente, no caso, a sua. Leia-se: "O cidadão que exerceu a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apoiem direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o exercício de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública". Trata-se de cláusula pétrea, segundo interpretação de parte do mundo político de Honduras.

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Tal fato levou Roberto Micheletti a agir de acordo com o que entendia como lei. O plebiscito foi intentado por Zelaya através do Decreto Executivo PCM-005-2009, declarado inconstitucional pelo Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo, em 27 de maio deste ano.

O presidente eleito desobedeceu o Tribunal e seguiu adiante, fazendo publicidade da “4ª urna”, para a referida consulta popular. Apresentou então o PCM-019-2009, trocando a palavra “consulta” por “pesquisa popular”. As Forças Armadas, em Honduras, segundo sua Constituição, artigo 272, têm o papel de defender “a alternância no exercício da Presidência da República”.

O exército resistiu a este novo decreto e Zelaya demitiu sua cúpula. Entretanto, a Corte Suprema de Justiça reintegrou o general Orlando Vasquez Velásques em seu cargo.

No dia 25 de junho, o Tribunal Superior Eleitoral declarou a ilegalidade do plebiscito e o Procurador Geral da República peticionou, ante a Corte Suprema, solicitando ordem de captura contra o Presidente, sob as acusações de conspirar contra a forma de governo, de abusar de sua autoridade etc.

No dia 27, a Corte Suprema expediu mandado de captura contra Zelaya. O Congresso referendou a decisão da Corte Suprema e empossou Roberto Micheletti como novo Presidente constitucional de Honduras.

Território brasileiro

No entanto, esta visão não foi compartilhada pela comunidade internacional, desde a OEA até a União Europeia, que viram na ação um golpe de Estado. Manuel Zelaya está na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, depois de peregrinar pelas Américas e pela Europa em busca de apoio político para retornar ao seu antigo cargo. Por um lado, tal episódio, inédito, reafirma o apreço brasileiro pela democracia, afastando de uma vez a imagem de país bananeiro, agora diferenciado por sua força econômica e vocação democrática.

Por outro lado, tal episódio causa constrangimento enorme ao governo de fato de Honduras, que reage, deixando a Embaixada brasileira sem luz, água e telefone e atacando os manifestantes pró-Zelaya, que se encontram ao seu redor. Micheletti manteve a eleição presidencial para novembro e o país está em campanha, dividido, e, agora, assediado pelo presidente de direito, numa trama sem precedentes.

Criou-se então um conflito entre os dois países, pois a embaixada do Brasil em Tegucigalpa é território brasileiro. Na verdade, ao receber Zelaya, a embaixada o recebeu em território nacional, a seu pedido, para evitar punição ou perseguição no seu país de origem. O inusitado é que ele recebeu asilo político em território brasileiro situado na capital de seu país. É um direito do Brasil e qualquer ato de hostilidade por parte do governo de fato de Honduras legitima atos hostis por parte de Brasília. O asilo político está previsto no artigo 4º, X, da Constituição brasileira.

Para se ter uma ideia da ousadia do governo Luiz Inácio Lula da Silva, deve-se lembrar que os Estados Unidos não reconhecem nem subscrevem a doutrina do asilo político como parte do Direito Internacional Público. O asilo tem caráter humanitário, que, nesse caso, ultrapassou seus objetivos, constituindo-se numa articulação política.

É preciso lembrar que toda comunidade internacional condena Roberto Micheletti. Como foi acolhido na condição de asilado, porque não há outra para tal hipótese, Zelaya está sob a égide da lei brasileira. Ele passa a ser um brasileiro assemelhado. Só o Supremo Tribunal Federal pode decidir a respeito de sua extradição. O Brasil não o considera um infrator. O Presidente de direito de Honduras tem liberdade de locomoção no território brasileiro e é garantido por todos os direitos estampados no artigo 5º, da Lei Maior brasileira.

Roberto Micheletti, ao dar um golpe de Estado, praticou um ato ilícito, do ponto de vista da comunidade internacional. Ele fere o princípio geral de proteção à vida humana e à democracia. A questão é que o Direito Internacional Público é dotado de poucas sanções e quase todas elas ineficazes.

Trata-se de um instigante conflito entre direito interno e direito internacional, que, tenho a impressão, vai pautar a política e o direito nas próximas décadas. Além disso, pode provocar um guerra entre os dois países, se os organismos internacionais não construírem uma saída pacífica.

Ps: O artigo 4º da CF prevê a concessão de asilo político, que pode ser de duas espécies: o diplomático, concedido aos estrangeiros perseguidos em seu próprio país por motivos políticos e outros (crença etc); em conseqüência o ato de concessão é praticado pela missão diplomática do país asilante e o territorial, quando admite a presença do estrangeiro no território brasileiro.

Asilo diplomático e territorial são subespécies do político. A Manuel Zelaya foi concedido asilo político em sentido amplo pelo Brasil. O asilo diplomático não assegura ao asilado o direito de asilo territorial. No caso de Zelaya, o Brasil concedeu asilo político da espécie diplomático e, negar-lhe o territorial, seria equivalente à condená-lo à morte. O Poder Judiciário de Honduras não tem imparcialidade e isenção para julgá-lo. Roberto Michelleti representa situação revolucionária, que não lhe oferece as garantias do devido processo legal.

Zelaya é acusado de crime de lesa pátria. Normalmente, os asilados diplomáticos são aqueles que solicitam asilo territorial junto ao ministério da justiça brasileiro. Se Zelaya pisar na calçada da Embaixada brasileira em Tegucigalpa, será preso, julgado e condenado por um governo ignorado pela comunidade internacional.

O Direito Internacional Público da América Latina não se aplica a um governo considerado ilícito, de fato, como o Micheletti, mas sim ao seu presidente de direito Manuel Zelaya. O fato de o Brasil reconhecê-lo como presidente de direito não desautoriza ou é incompatível com o asilo político – ao contrário.

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